Ações colaborativas entre órgãos da Administração Publica - TCEMG
Possibilidade de que órgãos e entidades da Administração Pública, pertencentes ou não à mesma pessoa jurídica de direito público, adotem ações colaborativas, em prol da maximização da prestação de serviços de interesse da coletividade, com o compartilhamento de recursos em geral, sejam eles financeiros, materiais ou humanos
Trata-se de consulta formulada por presidente de câmara municipal, por meio da qual apresentou dúvidas quanto à utilização de espaço físico e de pessoal do Poder Legislativo para a prestação de atividades da Polícia Civil e do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor – Procon.
Admitida a Consulta, à unanimidade, o relator, conselheiro Cláudio Couto Terrão, inicialmente perquiriu a primeira e a terceira indagações, relativas à cessão de uso de sala localizada na sede do Legislativo para funcionamento de Instituto de Identificação da Polícia Civil, destinado à emissão de documentos de identidade, mediante convênio, diretamente entre os órgãos ou com a interveniência do Executivo.
Aduziu que os bens públicos de uso especial são destinados, primordialmente, à estruturação operativa da Administração Pública para a prestação de serviços públicos. Contemplada essa estrutura, a Administração pode, orientada por critérios de interesse público, outorgar o uso dos seus espaços remanescentes, adotando instrumentos próprios do regime jurídico de direito público. Um deles é a cessão de uso, definida por Carvalho Filho como “aquela em que o Poder Público consente o uso gratuito de bem público por órgãos da mesma pessoa ou de pessoa diversa, incumbida de desenvolver atividade que, de algum modo, traduza interesse para a coletividade”, caracterizando uma colaboração entre instituições públicas em prol de interesses coletivos.
Outrossim, o relator asseverou que há evidente proveito público envolvido na disponibilização de espaço pertencente ao Legislativo para utilização da Polícia Civil que, por intermédio do Instituto de Identificação, ofertará à população o serviço de emissão de documentos de identidade, o que autoriza a cessão gratuita do uso de bem público, consoante prejulgamentos de tese desta Corte, consignados nas Consultas 951540 e 886405.
O relator acrescentou, ademais, que a cessão de uso deverá ser formalizada mediante instrumento celebrado entre as partes – Legislativo, Polícia Civil e Executivo, se for o caso – devendo prever as condições, as finalidades e as obrigações incidentes durante a utilização do bem público.
Nessa contextura, no que tange à primeira e à terceira indagações, o relator concluiu que, a menos que exista regulamentação que estabeleça forma e elementos específicos no âmbito das partes envolvidas, é possível a oficialização da cessão de uso por documento apto a expressar o ajuste de vontades e o interesse coletivo que justifique a ação de colaboração, podendo consistir em convênio, acordo de cooperação, termo de cessão de uso ou instrumento congênere, dispensada lei em sentido estrito apenas com tal objetivo.
Em relação à segunda indagação, atinente ao compartilhamento de servidores do Poder Legislativo para a prestação dos serviços de emissão de documentos de identificação, o relator destacou, primeiramente, precedentes deste Tribunal que exploram de forma minudente a cessão de servidores de um ente ou órgão para outro, a saber: Consulta 862117; Resumo de Tese Reiteradamente Adotada, da Consulta 886405; Consulta 862304. Tais precedentes reconhecem a possibilidade de deslocamento dos servidores públicos entre órgãos e entidades da Administração, em caráter de cooperação e por prazo determinado, a fim de atender ao interesse público, conforme juízo de oportunidade e conveniência, de acordo com os regulamentos incidentes em cada âmbito, com a formalização, em regra, por meio de convênio, termo de cooperação ou instrumento congênere, que preveja o ônus correspondente.
Assim, em consonância com os precedentes desta Corte, o relator respondeu positivamente à segunda indagação, no sentido de que, observadas as normas aplicáveis aos órgãos e entidades interessadas, bem como orientados por critérios de conveniência e oportunidade, é possível, em regra, que o Legislativo disponibilize seus servidores para colaborar com a Polícia Civil na consecução da atividade de emissão de documentos de identidade, formalizando o deslocamento por meio de convênio, termo de cooperação ou instrumento assemelhado.
Quanto à última questão, relativa à possibilidade de o Legislativo municipal arcar com despesas para o funcionamento de unidade do Procon localizado em sua sede, inclusive com a utilização de seus servidores efetivos, o relator respondeu positivamente, na medida em que o Procon, órgão vinculado ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais, presta serviço de interesse eminentemente público, autorizando, no caso de conveniência e oportunidade de ambas as partes, o deslocamento temporário de servidores para a finalidade específica, com a devida formalização.
Outrossim, especificamente sobre a assunção pelo Legislativo municipal de despesas decorrentes do funcionamento do Procon, localizado em sua sede, o relator citou novamente o Resumo da Tese Reiteradamente Adotada exarado na Consulta 886405, para afirmar que a resposta da presente indagação fundamenta-se no mesmo raciocínio desenvolvido para as demais: em uma perspectiva de federalismo cooperativo, opção feita pelo constituinte brasileiro, é possível que órgãos e entidades da Administração, pertencentes à mesma pessoa jurídica de direito público ou não, adotem ações de colaboração, em prol da maximização da prestação de serviços de interesse da coletividade, com o compartilhamento de recursos em geral, sejam eles financeiros, materiais ou humanos.
O relator enfatizou que é necessária a formalização do ajuste por meio de instrumento próprio, como convênios, acordos de cooperação, ou outro documento previsto no regulamento das partes. Além disso, em virtude da dinâmica própria do orçamento público, a utilização de recursos financeiros do Legislativo municipal para fazer frente às despesas com o Procon estruturado em sua sede também exige previsão nas leis que definem o orçamento do Município e dotação orçamentária específica.
Na sessão ordinária do Tribunal Pleno, realizada em 9/3/2022, o Conselheiro Durval Ângelo, que havia pedido vista dos autos na sessão do dia 27/10/2021, acompanhou o voto do relator por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Ao final, o parecer foi aprovado, à unanimidade, nos termos do voto do relator, ficando fixado prejulgamento de tese, com caráter normativo, nos seguintes termos:
1. Por meio da cessão de uso, a Administração pode consentir o uso gratuito de bem público por órgãos da mesma pessoa jurídica ou de entidade diversa, a fim de desenvolver atividade que traduza interesse para a coletividade, a exemplo do que ocorre na disponibilização de espaço pertencente ao Legislativo para utilização da Polícia Civil, via Instituto de Identificação, para oferta do serviço de emissão de documentos de identidade à comunidade.
2. Salvo se existente regulamentação que estabeleça forma e elementos específicos no âmbito das partes envolvidas, a cessão de uso de bem público pode ser formalizada por documento apto a expressar o ajuste de vontades e o interesse coletivo que justifique a ação de colaboração, podendo consistir em convênio, acordo de cooperação, termo de cessão de uso ou instrumento congênere, dispensada lei em sentido estrito apenas com tal objetivo.
3. É possível o deslocamento dos servidores públicos entre órgãos e entidades da Administração, em caráter de cooperação e por prazo determinado, a fim de atender ao interesse público, conforme juízo de oportunidade e conveniência, de acordo com os regulamentos incidentes em cada âmbito, com a formalização, em regra, por meio de convênio, termo de cooperação ou instrumento congênere, que preveja o ônus correspondente.
4. Observadas as normas aplicáveis aos órgãos e entidades interessadas, bem como orientados por critérios de conveniência e oportunidade, em regra é possível que o Legislativo disponibilize seus servidores efetivos para colaborar com a Polícia Civil na consecução da atividade de emissão de documentos de identidade, formalizando o deslocamento por meio de convênio, termo de cooperação ou instrumento assemelhado.
5. A utilização de recursos financeiros do Legislativo municipal para fazer frente às despesas com o Procon estruturado em sua sede também exige previsão nas leis que definem o orçamento do Município e dotação orçamentária específica.
(Processo 1107524 – Consulta. Rel. Cons. Cláudio Couto Terrão. Tribunal Pleno. Deliberado em 09/3/2022)
Comentários
Postar um comentário