Qualificação técnica - limitação de tempo - diferenciação - TCE/MG
Tratam os autos de Denúncia apresentada por empresa de transportes, em face de edital de concorrência pública, do tipo técnica e preço, promovida por prefeitura municipal, visando selecionar empresa ou consórcio de empresas para outorga da concessão do serviço público de transporte coletivo de passageiros, cujo valor estimado do contrato, em lote único, era de R$433.815.478,00 (quatrocentos e trinta e três milhões, oitocentos e quinze mil e quatrocentos e setenta e oito reais), com o valor da tarifa básica de referência de R$3,34 (três reais e trinta e quatro centavos). A denunciante alegou, sucintamente, que o edital apresentou restrição de participação de licitantes ao exigir, na qualificação técnica, comprovação de tempo de experiência de, no mínimo, 10 anos, em afronta ao art. 30, § 5º, da Lei 8.666/93, que veda exigência de atividade com limitação de tempo. Insurgiu-se, ainda, quanto à omissão do número de viagens nos horários de pico da frota, ressaltando que os dados de número de viagens nesses horários em dias úteis, sábado e domingo, e os quadros de horários das linhas atuais e do sistema proposto não foram apresentados, o que torna impossível aferir, objetivamente, as propostas conforme os critérios de pontuação definidos no edital, que poderiam favorecer a atual operadora. Pleiteou, ao final, a suspensão do certame.
O relator, conselheiro Wanderley Ávila, passou à análise das irregularidades apontadas na denúncia, examinando primeiramente a exigência de demonstração de tempo de experiência de no mínimo 10 (dez) anos. Esclareceu que, em primeira análise, a Unidade Técnica e sua relatoria entenderam excessiva e restritiva a exigência adicional de tempo de experiência de 10 anos, uma vez que o tempo por si só não refletia, necessariamente, a qualificação da capacidade operacional da empresa para a prestação dos serviços, bem como o entendimento de que a exigência de atestado de capacidade técnica já era suficiente para comprovar a experiência prévia das empresas. Em nova análise técnica, após a juntada de documentação apresentada pelos responsáveis, a Unidade Técnica concluiu que a irregularidade relatada, identificada no Edital de forma isolada, não possuía gravidade suficiente para justificar a anulação do procedimento licitatório como um todo, tendo ainda em vista que a licitação se encontrava na fase externa, já ocorrida a abertura das propostas, sem que houvesse possibilidade de saneamento do processo, e que, conforme relatado pelos representantes do Município, a anulação do procedimento poderia trazer mais prejuízos ao Município e aos usuários dos serviços. Nesse sentido, trouxe ensinamentos de Marçal Justen Filho, que leciona a respeito do § 1º, I, do art. 30, concluindo no sentido de que se refere, exclusivamente, à capacitação técnico-profissional, diferenciando-se da capacitação técnico-operacional, pois a confusão entre os dois termos aconteceu em razão da revogação da alínea “b” (do § 1º do art. 30 da Lei n. 8.666/93), e posteriormente do inciso II (que seria incluído no § 1º do art. 30 da Lei n. 8.666/93 pela Lei n. 8.883), que tratavam justamente da capacitação técnico-operacional. Ressaltou que, na hipótese de exigência de capacidade técnico-operacional, o inciso II do art. 30 da Lei n. 8.666/93 permite, para a comprovação da compatibilidade de aptidão para desempenho de serviços equivalentes, a definição de quantidades, características e prazos relacionados com o objeto da licitação, admitindo-se, portanto, a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços, desde que devidamente justificados e limitados às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto, não podendo ultrapassar 50% do quantitativo licitado, patamar aceito pelas jurisprudências do TCU e desta Corte. Nessa esteira, a par das justificativas e esclarecimentos apresentados pelos responsáveis e com fundamento na doutrina de Marçal Justem Filho, corroborou o entendimento de que a limitação legal se referia, exclusivamente, à capacitação técnico-profissional, diferenciando-se da capacitação técnico-operacional. Considerando, ainda, as especificidades do objeto do certame, nos termos dos argumentos trazidos pelos responsáveis, e que não foram apresentadas outras previsões capazes de limitar a participação de licitantes no processo em análise, afastou a irregularidade apresentada.
Quanto ao segundo ponto denunciado, relativo à omissão do número de viagens nos horários de pico da frota, expôs análise da Unidade Técnica, esclarecendo que os apontamentos do denunciante estavam relacionados a critérios de avaliação da proposta técnica, sobretudo quanto aos quesitos da redução do intervalo entre viagens nos períodos de pico e aumento da oferta de viagens nos finais de semana. Quanto à objetividade desses critérios, observou que foram estabelecidos a partir de faixas de redução/aumento em parâmetros operacionais do sistema, tendo em vista os indicadores de nível de serviço intervalos de viagens e número ofertado de viagens, não sendo identificadas irregularidades. Em relação ao número de viagens nos horários de picos, verificou que a informação estava relacionada em uma tabela, representando o intervalo entre viagens consecutivas e as faixas dos horários de pico, a partir dos quais era possível aferir o número de viagens por linha nesses horários. Já em relação ao critério técnico de proposta de aumento da oferta nos finais de semana, os parâmetros constavam em outra tabela, integrante do projeto básico, na qual foram detalhados os números de viagens projetados para dias úteis, sábados e domingos. Concluiu, portanto, que o edital apresentou as informações suficientes para apresentação das propostas, incluindo os parâmetros para avaliação dos critérios da qualificação técnica de forma objetiva, sendo também improcedente o apontamento da denunciante quanto a este item.
Por todo o exposto, a Denúncia foi julgada improcedente, nos termos do voto do relator, vencido o conselheiro substituto Victor Meyer, que entendeu não haver sido comprovada pela Administração Municipal a necessidade de exigência de tempo mínimo de dez anos de experiência para garantir a regular execução do objeto contratado, uma vez que os elementos apresentados não demonstram que contratação de empresa com menos tempo de experiência viesse a colocar em risco a adequada prestação de serviço. O conselheiro substituto destacou ainda, que apenas uma licitante compareceu à sessão pública de abertura da licitação, fato que indicaria que a exigência relativa à experiência prévia das licitantes possa haver restringido indevidamente a competição, votando pela continuidade da instrução processual, com a devida citação dos responsáveis, a fim de que fosse apurada a procedência ou não dos fatos anunciados, notadamente quanto à exigência de demonstração de tempo mínimo de dez anos de experiência, como condição de habilitação. (Denúncia n. 1054040, Rel. Cons. Wanderley Ávila, 30.10.2019). Vídeo da sessão de julgamento: TVTCE 02m48s
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